Sobre os Jogos Digitais

JOGOS NO ENSINO DE HISTÓRIA


As tecnologias de informação e comunicação, as chamadas TDICs estão modificando a forma de viver em sociedade. Diante dessas novas tecnologias, destacam-se na indústria do entretenimento, os jogos eletrônicos, popularmente conhecidos como games. A indústria dos jogos eletrônicos, originada no contexto da Guerra Fria, em especial na década de 80 cresceu muito e, desde 2007, supera o faturamento do cinema. Assim, o currículo escolar tenta acompanhar os impactos trazidos pela evolução das TDICs. “Estudos e pesquisas apontam para a necessidade do redimensionamento de tais práticas, em direção à priorização de reflexões acerca das especificidades e das linguagens próprias das novas tecnologias de informação.”(SCHMIDT, 2017, p.64). A autora coloca que é necessário discutir, refletir a interação das TDICs com os currículos e com a prática pedagógica.

O professor tem noção dos desafios que os avanços dos meios de comunicação requerem o uso de novas linguagens no processo de ensino de história, redefinindo o papel do docente, o conceito de fontes históricas e até mesmo o próprio conceito de história, neste contexto contemporâneo brasileiro (FONSECA, 2003). A autora indaga que para lecionar História, não basta apenas saber sobre os assuntos, é preciso conhecer diversas linguagens para trabalhar os assuntos bem como os novos espaços em que eles aprendem História, além da escola. Para Bittencourt (2017) as disciplinas escolares mudam conforme os objetivos da sociedade: “As transformações substantivas de uma disciplina escolar ocorrem quando suas finalidades mudam. As finalidades mudam para atender a um público escolar diferenciado e como resposta às suas necessidades sociais e culturais”. E as TDICs emergem essa nova demanda.

Guimarães (2007) questiona o que fazem os historiadores quando ensinam história, como trazem de volta o passado e também quais fontes, materiais e problemas escolhem para mediar o passado e o presente. Questiona-se isso sem esquecer que a história é uma construção pessoal, em que o historiador põe a sua perspectiva como narrador. Quando se questiona o que ensinar em uma sociedade multicultural, preocupa-se em situar o espaço-tempo vivenciado, sob um determinado multiculturalismo, uma vez que a sociedade brasileira está inserida no contexto de globalização e diversidade em vários aspectos. Essas questões estão ligadas ao cotidiano do professor, pois os projetos de formação continuada de professores de história deveriam levar em conta que o professor de história deveria saber, além do processo de construção do conhecimento histórico, também como utilizar a didática da história em prol da aprendizagem.

Essa nova demanda, multicultural, globalizada e virtual, requer o que se pode intitular como “escolas da era digital”. Sobre as escolas da chamada era digital, a autora Flávia Caimi (2009, p. 65) coloca: “as escolas e universidades enfrentam, em nossos dias, novas e complexas demandas formativas, em face das exigências postuladas pelo crescente volume de redes informacionais e de diversificação culturais à que as pessoas são submetidas em seus cotidianos”. Isso leva o docente ao desafio de, ao lecionar, integrar o ensino às novas metodologias que fazem parte do cotidiano do aluno, eliminando muitas vezes a distância do ensino escolar com a vivência, para que os conhecimentos façam sentido na vida do aluno.

Cabe assim refletir sobre as finalidades do ensino de história. Caimi (2015, p. 30) ressalta sobre os desígnios do ensino de história na educação básica: “pretende-se que os estudantes se apropriem dos conhecimentos e desenvolvam as atitudes necessárias para entender as especificidades do mundo em que vivem”. Isto é, devem compreender ainda que a história escolar não é decorar datas, e personagens importantes, mas aprender a pensar historicamente, isto é, compreender os processos de transformação que ocorreram no decorrer do tempo e suas consequências e influências para o presente. Pensar historicamente envolve habilidades como capacidade de compreender o tempo histórico, interpretação criticando as fontes de informação, compreensão da continuidade e rupturas entre passado e também o tempo presente.(CAIMI, 2015). Um dos objetivos de se trabalhar com os jogos digitais no ensino de história, é desenvolver essa consciência histórica, o pensamento histórico. Pensar historicamente compreende localizar fatos no tempo e no espaço de forma articulada. Significa que além de compreender a sociedade em que se vive, se deve perceber diferenças entre os tempos e espaços, rupturas e permanências. É necessário descrever os fatos, organizá-los, compará-los, relacioná-los, analisá-los e pensá-los de forma crítica. É levar o aluno a perceber seu contexto sociocultural e, buscar motivar possíveis soluções para os problemas que o cercam.

REFERÊNCIAS

SCHMITZ, Maria Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano da sala de aula. In:BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. 12 ed. São Paulo: Contexto, 2017.

FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. História e ensino de História. 2 ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2006.

BITTENCOURT; Circe Maria. O saber histórico na sala de aula. 12 ed. Sao Paulo: Contexto, 2017.

GUIMARÃES, Selva. Didática e prática de ensino de História: experiências, reflexões e aprendizados. 13 ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.

CAIMI, Flávia Eloisa. História escolar e memória coletiva: como se ensina? Como se aprende?. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.

CAIMI, Flávia Eloisa.Investigando os caminhos recentes da história escolar: tendências e perspectivas de ensino e pesquisa. In: ROCHA, Helenice (org.).O ensino de história em questão: cultura histórica, usos do passado. Rio de janeiro: FGV Editora, 2015.



CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS

Outro quesito ao analisar um game é identificar a qual grupo pertence e os aspectos envolvidos. De acordo com Gee (2009) apud Cecatto (2016), os jogos podem ser organizados em categorias tais como:

  • Jogos de lançamento e tiros: Requer reflexos rápidos, tomada de decisão e raciocínio. Um exemplo desse tipo de jogo é o “Big Battle Tanks[1]”, em que o jogador comanda o posicionamento e tiros de tanques de guerra.

  • Jogos de combate: São jogos que envolvem estratégias, trabalho em equipe (isto é, multiplayers) e tomada de decisão. Pode-se citar como exemplo o jogo “Battlefield[2] 1”, ambientado na Primeira Guerra Mundial.

  • Jogos de aventura: Nestes jogos, o jogador é o protagonista de uma narrativa interativa, na qual ele deverá explorar ambientes e solucionar problemas. Um exemplo é o jogo “OpenLara - Tomb Raider[3]” que mostra Lara Croft no clássico Tomb Raider, o jogador assume o papel de Lara que tem que pular, correr, atirar nos lobos selvagens e procurar os tesouros escondidos.

  • Jogos de simulação: O jogo “Diário do Amanhã[4]”, é um bom exemplo de jogos desta categoria, pois usa situações que buscam refletir, discutir os princípios apresentados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesta categoria de jogos busca-se resolver de problemas contidos na narrativa do jogo.

  • Jogos de simulação de papéis ou RPG: Nesta categoria, é possível representar diferentes papéis, tal como “jogo da Cabanagem[5]” criado pela UFPA e possibilita ao jogador assumir o papel de diversos líderes do movimento.

  • Jogos de ação/arcade: São aqueles que têm a ações definidas por simples comandos simples em uma progressão linear do jogo. Buscam desenvolver a agilidade, reflexo, tomada de decisões rápidas entre outros. Ex: “Super Mario Bros[6]” é um jogo de ação no qual o jogador enfrenta inimigos, junta itens, em diversos níveis etc.

  • Jogos de estratégia em tempo real: Requer tomada de decisões estratégicas, tal como administrar recursos e cidades, e trabalho em equipe. Um exemplo é o jogo “Age of Empires: Castle Siege[7]” que coloca o jogador para guiar um império através da Era Medieval, tal como incluindo os Bretões, Teutões e o Principado de Kiev. O jogador deve construir fortaleza, e treinar um exército para atacar outras cidades.

É possível também que o jogo possa se enquadrar em mais de uma categoria também, como Battlefield, cuja narrativa se passa durante combates na Primeira Guerra Mundial, que é descrito como jogo de combate, mas que pode ser também como jogo de tiro em primeira pessoa. No roteiro didático proposto no produto da dissertação, o tipo de jogo será indicado no campo “Gênero do jogo”, para que o docente identifique a categoria que o jogo se enquadra, bem como a classificação etária, já que os adolescentes em idade escolar, incluem tanto discentes do ensino fundamental e médio, e por isso jogo usado pelo professor deve respeitar a classificação indicativa de acordo com a faixa etária dos alunos.

[1] Jogo disponível em <http://www.clickjogos.com.br/Jogos-online/Tiro/Big-Battle-Tanks/>

[2] Jogo para console e PC disponível em <https://www.ea.com/pt-br/games/battlefield>

[3] Jogo on line e para console disponível em <https://www.jogos360.com.br/openlara_tomb_raider.html>

[4] Jogo sobre a Declaração Universal dos direitos Humanos criado pelo SENAC e Palas Athena, disponível em http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/diariodeamanha/>

[5]Disponível em <http://www.larv.ufpa.br/?r=jogo_cabanagem>

[6] Disponível em <http://www.clickjogos.com.br/jogos/super-mario-flash-2-desert-edition>

[7] Disponível em https://www.microsoft.com/pt-br/p/age-of-empires-castle-siege/9wzdncrfjb5


AVALIAR UM JOGO DIGITAL

A análise torna-se uma ferramenta pedagógica útil ao docente, que busca como objetivo final a aprendizagem do aluno. Apesar de mostrar muitos pontos positivos em relação aos jogos eletrônicos é preciso que o professor fique atento a questões avaliativas, conforme orienta Telles e Alves (2016, p. 129) baseando-se na metodologia chamada “Gameflow” que tem sete critérios de avaliação:

Qualidade do conteúdo envolvendo a presença de veracidade e detalhe; aderência das atividades aos objetivos da aprendizagem e às características dos alunos; motivação do jogador, imersão ou envolvimento do jogador; clareza dos objetivos; feedback e adaptação da mecânica do jogo à habilidade do jogador; informação visual.

Tais questionamentos são importantes para o professor analisar se o jogo atende aos objetivos curriculares no sentido de contemplar conteúdos a serem trabalhados. Diante dessa análise, mesmo que o jogo tenha lacunas, é possível abrir espaço para o diálogo com os alunos sobre as representações, a ficção e quando aborda elementos que se relacionam com o que aconteceu, ou seja, mais próximos da realidade e de acordo com o contexto histórico. Como ratificam os autores: “No entanto, é fundamental discernir entre uma simulação historicamente válida e a narrativa historicamente válida.” (TELLES e ALVES, 2015, p.179).

No tópico “Perguntas que os historiadores costumam fazer” Telles e Alves (2016, p. 141, adaptado) apontam cinco critérios de análise que compreendem:

  1. Problematizar as imprecisões;

  2. Determinar se os estudantes podem compreender os conceitos principais;

  3. Distinguir entre uma narrativa historiográfica e a simulação historicamente válida;

  4. Reconhecer as simulações como ferramentas para o estudo do passado;

  5. Considerar a facilidade e o tempo requerido para jogar.

Outra sugestão de roteiro para a análise pedagógica dos jogos eletrônicos é proposta por Azevedo (2012) levando a refletir sobre a utilização pedagógica do jogo eletrônico. Deve-se levar em consideração: os recursos materiais (computador, smartphone, internet) necessários; o tempo para desenvolver a dinâmica usando o jogo digital, os conteúdos que o professor pode desenvolver com os alunos a partir do jogo digital, quais as discussões se pode problematizar com os alunos referentes à forma que o jogo aborda o assunto, as atividades desenvolvidas e a forma de avaliação a partir do jogo tais como produção de texto, questionário, jogo físico, entre outros.

A avaliação de um jogo é item indispensável uma vez que se não houver um planejamento, uma discussão e uma análise do jogo, assim como um filme usado em sala de aula, o uso do jogo em sala de aula acaba sendo interpretado erroneamente como um simples passatempo, desconectando-se assim de seu propósito. Na proposta do site “Jogos digitais para ensinar história”, a seleção dos jogos foi realizada tendo em vista jogos que se pudessem trabalhar questões históricas, e também problematizações que pudessem surgir a partir do jogo, de sua jogabilidade e narrativa.

Referencias:

AZEVEDO, Victor de Abreu. Jogos eletrônicos e educação: construindo um roteiro para sua análise pedagógica. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2012.

TELLES, Helyom Viana; ALVES Lynn. Ensino de História e Videogame: Problematizando a Avaliação de Jogos Baseados em Representações do Passado. XI Seminário SJEEC (junho de 2015).

TELLES, Helyom Viana; ALVES Lynn. Narrativa, história e ficção: os historygames como obras fronteiriças. Revista Comunicação e Sociedade, vol. 27, 2015, pp. 303 – 317.

TELLES, Helyom Viana; ALVES Lynn. Ensino de história e Videogame: Problematizando a Avaliação de Jogos Baseados em Representações do Passado. p. 125 a 146. In: ALVES, Lynn; COUTINHO, Isa de Jesus (org.). Jogos digitais e aprendizagem: Fundamentos para uma prática baseada em evidências. Campinas, SP: Papirus, 2016